quarta-feira, 7 de abril de 2010

O EMPOBRECIMENTO DO DISCURSO NA ESCOLA

Artigo escrito por Eduardo Selga e publicado em 17/03/2010 em A Tribuna (Vitória-ES)
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São pós-modernos os dias em que vivemos, e neles parece faltar a presença efetiva dum elemento com o qual gerações outras dialogaram melhor: a palavra enquanto ferramenta aglutinadora dos sujeitos sociais, por meio da comunicação eficiente, bem escolarizada ou não. Semelhante carência talvez ocorra porque a individualidade hoje assume dimensões tão acentuadas que o Outro é relegado à desimportância; a segunda pessoa do discurso quase inexiste em sua plenitude, porquanto cada vez mais o individualismo prescinde dela, num mecanismo que conduz não apenas ao encastelamento do sujeito em torres de marfim: leva à indigência discursiva toda uma geração que utiliza expressões de sentido genérico e corroídas pelo uso irrestrito, mesmo em situações nas quais se requer especificidade na mensagem. É o caso, por exemplo, de “politicamente correto” e “humanização do trânsito”. Isto provoca a miragem da eficácia no ato comunicativo, “alucinação linguística” que faz supor o perfeito entendimento, quando o que temos, no mais das vezes, é uma grande vaguidão de conceitos transmitidos por um discurso impreciso, embora nem sempre o percebamos. Há, por conseguinte, na sociedade, uma espécie de solidão do indivíduo-ilha meio à coletividade-arquipélago, alimentada pelo vazio que habita o discurso comum.

Em linguística há o princípio da economia, por meio do qual o sujeito, independente de sua cultura idiomática, busca sempre o modo mais breve para comunicar-se, no âmbito da oralidade. Tal fenômeno explica em parte o pequeno vocabulário (satisfatório, porém) que compõe a fala, mas não o sentido um tanto desfocado de certas expressões, a exemplo de “coisar”. O ponto nevrálgico é que esse princípio, que não encontra a mesma aplicabilidade na escrita, tem sido adotado sem maiores pudores pelos alunos do ensino fundamental e médio em suas redações. Ora, um texto dissertativo, o mais utilizado nas salas de aula em função de constituir pré-requisito para ingresso nas universidades, ele exige farta argumentação, no que está implícita a necessidade de variado repertório vocabular. Verter para o texto dissertativo estruturas próprias da oralidade e seu léxico pouco específico pode promover o uso de clichês, essa reiteração do senso comum que em nada contribui para um novo olhar sobre a sociedade. Noutros termos, o sempre mais do mesmo é o mesmo que mais uma vez o sempre. Alterando apenas a ordem dos vocábulos.
O processo pelo qual não enxerguemos interesse na palavra alheia e obsta nosso ânimo de ouvir narrativas cujo sabor é menos o conteúdo que o narrar em si, semelhante processo é também culpado pela notória resistência que temos ao ato de ler enquanto fruição, pois leitura provoca um grande constrangimento da pós-modernidade: saber do Outro, seja ele autor, seja ele personagem (em se tratando de narrativa ficcional). Não obstante, a prática da leitura atenta é imperativa à estruturação dum discurso bem articulado e que, por conseguinte, se sustente numa sociedade como a nossa, na qual o texto escrito segundo a norma padrão é um dos índices diferenciadores de classes sociais.

Eis um grande desarranjo contemporâneo, e nele está inserido o embaraço que envolve a produção textual na escola brasileira. A qualidade insuficiente dos textos relaciona-se, acreditamos, com o pouco-caso pós-moderno que ignora o Outro em virtude do indivíduo, numa postura egocêntrica que depaupera o discurso do sujeito social.

2 comentários:

  1. Olá Eduardo, tudo bem?
    Parab´ns pelo texto, concordo quando fala da escassez da palavra, esse silêncio, ou silencimaneto tão nefasto que inviabiliza o diálogo.
    Olha, estou aguardando o seu texto para fazer o posfácio
    abraços
    renatabomfim

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  2. Renata,
    Agradecido pelo comentário.
    Quanto ao posfácio, por questões burocráticas, próprias de quem pouco afeito às exigências dessas leis de incentivo à cultura, deixei algumas coisas para última hora e outras nem mesmo cheguei a providenciar, desconhecendo sua necessidade. Assim, é provável que em 2010 não consiga apresentar o projeto. De qualquer maneira, mais "esperto", o farei em 2011.

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