sexta-feira, 7 de maio de 2010

CONCRETUDE ABSTRATA

Breve análise crítica escrita por Eduardo Selga acerca do primeiro livro de poemas de Casé Lontra Marques, Mares inacabados.
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Sintetizar Mares inacabados num breve comentário? Fatalmente, em função da imensa riqueza que habita a poética de Casé Lontra Marques, elementos ficarão omissos ou a palavra se mostrará insuficiente na tentativa de esclarecer outras palavras: as do eu lírico.

Há um navegar pelas palavras. É precisamente um visível e intenso trabalho de manipulação do material linguístico uma das mais agudas características presentes em Mares inacabados, traduzida, exemplificando, numa sintaxe a tal ponto incomum que uma leitura rápida e descompromissada em mergulhar nas camadas mais profundas do texto (a um só tempo é líquido e sólido) pode infundir a certeza de não correlação entre versos: “A dor primeiro ataca / o pátio da apatia. Lutando / para que o lago bloqueado insista / intacto (...)”. Semelhante juízo não é, entretanto, verídico. Muito ao contrário, existe como que um alinhavamento imagético a perpassar todos os poemas de tal modo que este parece, de alguma forma, mostrar-se continuidade daquele. Seguindo a correnteza desse rio, deságua-se num mar de palavras permanentemente resignificadas, recontextualizadas. Assim como ninguém se banha duas vezes no mesmo rio, não se deve alimentar a ingenuidade de supor, por exemplo, a cada vez em que “paladar” surgir nos poemas terá o mesmo e exato sentido. O que ocorre são frequentes aproximações e rupturas sinonímicas.

Está presente em Mares inacabados um elemento a que denominaremos “poética dos sentidos”, que confere aos poemas um caráter de concretude, reconhecível em vocábulos tais como “vidraça”, “pedras”, “cidade” e constantes menções às diversas formas de violência. Todavia, é uma concretude à primeira vista paradoxal, ancorada naquele abstrato quase invisível a olho nu que percorre a urbanidade: “Lá está a esquina, a cidade evidente. Mares inacabados / que o sol do sarcasmo / infeccionou (...)”. 

2 comentários:

  1. não gosto muito do Casé,
    mas gostei do blog.
    Parabéns.

    Pedro
    comeceidomeio.blogspot.com/

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  2. Obrigado pelo elogio, Pedro. O seu blog também é muito interessante.

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