quinta-feira, 29 de outubro de 2009

LINGUAGEM UTILITÁRIA

Eduardo Selga

O profissional da Língua Portuguesa falada e escrita no Brasil e de sua consequente Literatura, quando atuante no magistério, tem nos dias atuais uma relevância que, modo geral, não encontra eco na sala de aula. Via de consequência, a disciplina se torna apenas mais uma na grade curricular.

Veículo da informação e fenômeno característico da velocidade contemporânea, o imperativo da comunicação eficaz (ou proficiente, para usar um termo em voga), ponderando suas numerosas faces, é ferramenta afiada nas sociedades neoliberais a valorizar o mesmo modelo social que estimula o indivíduo no sentido de obter permanente sucesso, elevado à sinonímia de felicidade. Para o êxito do processo comunicativo, apesar de o senso comum não raro ter discernimento pouco profundo a respeito, palavras e gestos exatos no instante adequado se mostram essenciais.

Ora, comunicar-se eficientemente requer um domínio substantivo, por parte dos elementos interlocutores, do código linguístico construído pela cultura na qual estão inseridos. É neste palco que entra em cena a figura (se hoje embaçada, ontem houve destaque) do professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, a quem cabe instrumentalizar o discente de modo a conduzir-se livre de maiores embaraços nos múltiplos meandros lingüísticos da sociedade em que vive.

Para a aquisição dessa competência por parte do estudante, o diálogo com bons autores da literatura nacional é indispensável (mas não exclusivamente os canonizados pela crítica), uma vez que todo arquiteto da palavra a reconstrói, dá-lhe insuspeitadas dimensões, enriquecendo, desse modo, a história da Língua Portuguesa no Brasil.

Eis aí o desafio do professor, ao qual me referi nas linhas iniciais. O verbo trabalhado artisticamente não de hoje vem perdendo prestígio e espaço numa sociedade personagem de um mundo instantâneo, em que certas referências se diluem antes mesmo de se estabilizarem; a comunicação entre indivíduos no dia-a-dia, enquanto fenômeno linguístico e social, ocorre com uma quantidade crescentemente mesquinha de vocábulos vagos (“negócio”, “coisa”, troço”), o que é prejudicial ao ato comunicativo, porquanto abre fissuras na qualidade dessa comunicação que, inclusive, pode não se realizar em sua plenitude pela carência de palavras pertinentes. O fenômeno batizado “mal-entendido” é bom exemplo do que dissemos, em que pese o capacidade do interlocutor de traduzir adequadamente o código usado pelo falante.

Da oralidade à escrita. Valoriza-se hoje a que possui caráter utilitário e instantâneo. Estamos falando, portanto, do jornal, do “torpedo”, do e-mail, da revista. Todos eles veículos que contribuem escassamente para a percepção das amplas e muitas veredas que a Língua Portuguesa admite uma vez que, exceções sempre à parte, a linguagem utilizada é a coloquial, ou seja, usam-se apenas vocábulos tornados notórios pelo conhecimento público. É raro ultrapassem a província do sintaticamente canônico. Para esses veículos, movidos pela urgência da informação, vovô ver a uva, o sentido denotativo, é tudo quanto basta.

Resultado, a função poética da linguagem perde espaço para uma idolatrada e inflexível “objetividade”, como se o real só tivesse uma face. E a literatura, território favorável à conotação e ao subtexto, ainda soa inútil aos estudantes que não os universitários. Em paralelo a esse juízo, as famosas listas dos mais vendidos são em larga medida ocupadas pela “utilidade” dos livros de “auto”-ajuda, pelas biografias de famosos (ambos usam à mancheia a coloquialidade já citada). Ou pela ficção de escassos predicados, mas de excelente vitrine.

Daí perguntamos: como o professor vai introduzir, na sala de aula, “Memórias Póstumas de Brás Cubas” sem que o aluno se pergunte “para quê”, ou leia Machado de Assis por mera obrigação?

Publicado no jornal A Tribuna (Vitória / ES) em 17/06/2009

3 comentários:

  1. Olá amigo, adorei teu texto...
    é verdade, a maioria esmagadora dos alunos lêem Machado e outros autores por obrigação, simplesmente porque não conseguem detectar as varaidas camadas de leitura possiveis, o vocabulário é pobre, o acervo de informações adquirido nos BBB's da vida também... Bem, acredito que uma coisa positiva é a paixão do professor, não podemos só falar de um lado... os professores precisam fazer a letra virar carne e habitar entre nós, bem,não há fórmulas, mas tentar já é um bom caminho
    abraços
    Renata

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  2. Uma das causas é o imediatismo, que se transformou num valor social. Ler, então, "precisa" ser útil agora, não amanhã nem depois. A precoucpação com o futuro, por parte das novas gerações, quando existe, passa por uma necessidade de obter a maior quantidade de bens materiais possível. E o livro é um bem cultural. Cultura? Para quê? Ah, sim... se for divertido, tudo bem. Mas vai fazer com que se consiga comprar um Audi?
    Eduardo Selga

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